Para além do axé: 1ª exibição do filme ‘WR Discos – Uma Invenção Musical’ retrata magia dos bastidores da música baiana

07/04/2025

Esqueça o glamour dos palcos retratados pelos grandes artistas ao falar da carreira. Os holofotes estão voltados para os bastidores da música. Quem faz o som acontecer é que protagoniza o documentário ‘WR Discos – Uma Invenção Musical’, que levou 12 anos para ser produzido e teve a primeira exibição em Salvador no domingo (6).

A produção, que foi premiada com uma menção honrosa no LABRIFF – Los Angeles Brazilian Film Festival, integrou a competitiva baiana de longa-metragem no XX Panorama Internacional Coisa de Cinema, e foi ovacionado pelo público que compareceu ao Cine Glauber Rocha para prestigiar a história do estúdio de Wesley Rangel, criado em 1975, ser contada.

Segundo Nuno Penna, diretor do longa, o foco do filme foi mostrar a ficha técnica dos maiores álbuns já gravados em Salvador. A produção é para quem gosta de música, da essência, do fazer musical e de quem sempre foi curioso para saber como roda a engrenagem das gravadoras e tem a sorte de ter um depoimento forte do criador de tudo, Wesley Rangel, que faleceu em 2016.

Nuno Penna e Maira Cristina, diretores do longa | Foto: Bianca Andrade

“Como eu trabalhei na WR, na verdade, eu estou contando a história para os meus colegas que fizeram aquela história. Então a carga emocional é muito maior. A gente fica bem nervoso, mas muito feliz também, porque foram 12 anos produzindo e agora eu acho que é o momento de celebrar, de encontrar os amigos, abraçar, e sentar e ver, e espero que curtir esse momento”, contou o diretor ao Bahia Notícias.

O longa mostra como a WR mudou para sempre o jeito de produzir música na capital baiana através dos depoimentos de técnicos como Nestor Madrid, Vivaldo Menezes, produtores, músicos como Cesinha, Tony Mola, Carlinhos Marques, Silvinha Torres, Paulinho Caldas, que formaram a banda Acordes Verdes, além dos intérpretes dos grandes hits como Carlinhos Brown, Daniela Mercury, Bell Marques, Luiz Caldas, Gerônimo, Lazzo Matumbi, Margareth Menezes, Roberto Mendes e Olodum.

Foto: Registro cedido pela equipe do documentário

A exibição do filme trouxe gosto de casa para o público, majoritariamente formado por quem ajudou a escrever a história ao lado de Rangel. No evento estavam presentes parte dos funcionários da WR, que se juntaram a família de Rangel e a equipe do documentário, formada por: Nuno, Maíra, Jásio Velásquez, Igor Penna, Igor Caiê Amaral, Álvaro Ribeiro, David Júnior, Juan Penna, Cristina Lima, Ana Luiza Penna, Rickson Bala, Marquinho Carvalho, Paulo Hermida, Og Marcelo, Claudio Moraes, Isaac Souto, Antonio Jorge, Tete Porto e a lembrança de Mina Ishikawa.

Sem spoilers sobre a produção, quem for assistir ao filme ‘WR Discos – Uma Invenção Musical’ ficará por dentro de como a mágica acontecia na música e terá noção de que a gravadora foi mais do que a “casa do axé”. O estúdio de Rangel foi, por anos, a casa da música baiana, com portas abertas e oportunidade para quem quisesse entrar.

Nestor Madrid e Carlinhos Marques em debate pós-sessão | Foto: Bianca Andrade

Em meio aos depoimentos dos bastidores, as grandes estrelas da música se dividiram em falar sobre a generosidade de Rangel e em como alguns atos do empresário fizeram a diferença na carreira, a exemplo de Brown com a criação da Timbalada, e Bell, que revelou ter colocado uma cláusula no contrato do Chiclete para ter liberdade de produção, e, desta forma, gravar todos os discos da banda na WR, por acreditar que o estúdio era o único capaz de entregar a energia da música que ele queria passar.

No documentário, é dada a dimensão da WR para a música baiana para além do axé, abrindo espaço para a gravação de discos de reggae, todos de Edson Gomes, para o rock da Camisa de Vênus, o jazz do grupo Garagem, o samba-chula de Roberto Mendes e o forró temperado de Zelito Miranda.

É também mostrado como o estúdio em Salvador conseguia captar com a essência da música baiana e todas as suas nuances, algo que gravadoras ao redor do mundo não conseguiam fazer, a exemplo de um disco do Olodum que foi gravado nos Estados Unidos, no estúdio de Prince, mas finalizado em Salvador, nas mãos dos profissionais do estúdio de Rangel.

Foi o olhar de WR, que conseguiu desenvolver uma técnica específica para gravar a percussão baiana, permitindo que a música dos blocos afro fosse registrada de forma adequada e ecoada aos quatro cantos do mundo.

Diferente dos parques da Disney, que não pode mostrar os bastidores dos personagens para não estragar o encanto da terra mágica, no documentário, Nuno e Maíra conseguem mostrar nos 79 minutos de duração da película, como é possível a música continuar tendo o toque de mágica quando se dá voz a quem faz ela acontecer.

Foto: Bianca Andrade

Para Alexandre Rangel, filho do WR e da WR, ver a história do pai sendo contada nos cinemas mostra como a música baiana entrou para a história da música brasileira e impactou internacionalmente a indústria.

“É uma emoção gigante estar aqui com todo esse pessoal que fez junto com o meu pai essa história, que ajudou ele a desenvolver essa história. Eu também que estava lá nos bastidores com o Nuno e ter esse momento aqui é uma coisa indescritível. Meu pai não está aqui com a gente, mas eu sei que ele está lá em cima olhando por todos nós, vendo essa coisa que o carnaval, que o axé se tornou, essa coisa linda que atrai multidões do mundo inteiro, e saber que essa história está sendo perpetuada com esse filme me deixa muito feliz.”

Sem rodeios, da mesma forma que o filme mostra a ascensão, traz também um panorama da queda, algo que aconteceu não só com a WR, como afetou também outros estúdios com a mesma proposta de Rangel. O momento, com ar melancólico, emocionou o público e levantou o questionamento sobre o cenário da música na Bahia atualmente.

A WR segue funcionando e pulsando música, ainda que não esteja nos tempos áureos. Para os herdeiros de Rangel, o estúdio segue com o mesmo ideal do pai, abrir portas e dar oportunidades para quem quer fazer o nome na música.

“Realmente ele abriu portas. Ele abriu portas para todo mundo que queria, que tinha vontade de se expressar na música. A vontade dele era ter um espaço para qualquer expressão artística. Então, assim, o meu sonho, quem sabe, é abrir um espaço desse, onde todo mundo possa se expressar artisticamente, dançando, cantando, fazendo poesia, o que for. Porque ele fez isso para o Axé, e eu, como compositor, sei o quanto é bom ter alguém pra te estimular e fazer você conseguir chegar lá e divulgar seu trabalho”, afirma Alexandre.

O filme ‘WR Discos – Uma Invenção Musical’ ainda busca financiamento para ser exibido em mais salas de cinema da Bahia. Nesta semana, a produção terá uma nova exibição dentro do Panorama Internacional Coisa de Cinema, no dia 08 de abril, na terça, às 18h, Sala Walter da Silveira.

 

“A gente está fazendo há 12 anos um filme. Então, quer dizer, é difícil, sem incentivo, sem grana, a gente bancando, as pessoas da equipe colando no projeto. Mas, assim, no final a gente vê que, mesmo assim, é possível a gente contar uma história importante para a Bahia, importante para a música da Bahia, para a música do Brasil. Está sendo muito importante mostrar esse projeto aqui no Panorama, mas a gente ainda precisa de mais incentivo para o cinema, para o audiovisual, sim, para que outras iniciativas como essa possam caminhar mais facilmente, porque a gente está mostrando no Festival, muitos amigos, muitos técnicos, pessoas que trabalharam na WR, pessoas da música vão ver. Mas a gente quer que mais pessoas assistam”, afirmou Maira Cristina.

Ao Bahia Notícias, Maira e Nuno ainda revelaram que o projeto com o longa sobre a WR fez com que a dupla e outros integrantes do filme se empolgassem para contar novas histórias sobre a Bahia: “Tem história, mas aí é segredo. Espero que não tenha mais 12 anos. Espero que no ano que vem eu já lance outro. Com fé em Deus a gente vai conseguir”.

Ah, apesar de não ser filme da Disney, assim como os longas de super-heróis da Marvel, a produção baiana tem uma cena pós-crédito. Não deixe o cinema antes do filme acabar!

Vida longa a música baiana, a música preta da Bahia que deu origem a tudo que se faz por aqui, ao cinema independente e a quem ainda acredita na arte como agente transformador da sociedade, afinal, como já cantava Lazzo Matumbi e Margareth Menezes:

“Apesar de tanto não, tanta dor que nos invade, somos nós a alegria da cidade. Apesar de tanto não, tanta marginalidade, somos nós a alegria da cidade.”

Ficha Técnica do filme – ‘WR Discos – Uma Invenção Musical’
Produção Executiva: Nuno Penna
Dirigido por: Maira Cristina e Nuno Penna
Roteiro: Maira Cristina
Direção de Fotografia: Jásio Velásquez
Produção: Val Benvindo, Mina Ishikawa e Igor Penna
Montagem: Igor Caiê Amaral, Álvaro Ribeiro e Nuno Penna
Colorista: David Júnior
Mixagem: Nuno Penna
Trilha Sonora: Marquinho Carvalho
Som Direto: Juan Penna, Cristina Lima, Ana Luiza Penna e Rickson Bala
Fotografia adicional: Paulo Hermida, Og Marcelo, Claudio Moraes, Isaac Souto, Antonio Jorge e Tete Porto