Memórias do Panorama – por Adolfo Gomes
27/03/2025
Aos 20 anos, é quando a vida parece começar de fato. Por outro lado, já é possível reunir um bom número de lembranças e experiências desse período. Se você é cinéfilo ou simplesmente tem interesse por filmes, algumas de suas memórias devem estar associadas ao Panorama Internacional Coisa de Cinema.
No meu caso, para além das produções contemporâneas baianas, brasileiras e mundiais presentes no Festival, o que sempre me mobilizou foram as amplas e variadas retrospectivas e as exibições de clássicos. Só para se ter uma ideia, foi possível acompanhar nas últimas duas décadas mostras dedicadas aos Irmãos Dardenne, a Hitchcock, Sergei Eisenstein, Stanley Kubrick, Spike Lee, Pier Paolo Pasolini, John Carpenter, Éric Rohmer entre outros. Sem falar das exibições especiais de filmes fundamentais como “A Rainha Diaba”, de Antônio Carlos Fontoura, “Acossado”, de Jean-Luc Godard, e “Van Gogh”, de Maurice Pialat.
Em meio a essa constelação, em 2012, o Panorama abriu espaço na sua programação para a marginalizada Pornochanchada brasileira. De Carlos Reichenbach a John Doo, passando pelos geniais Ody Fraga e Jean Garret, títulos como “Ninfas Diabólicas” e “O Império do Desejo” ganharam visibilidade e um novo público.
Mas entre esses filmes, despontavam dois de sexo explícito, representantes do crepúsculo da Pornochanchada, época em que os produtos pornográficos norte-americanos começaram a inundar os cinemas Brasil a fora, decretando o fim da chamada “Boca do Lixo” (quadrilátero no centro de São Paulo que reunia várias empresas cinematográficas de baixo orçamento).
Minha lembrança mais marcante no Panorama, portanto, remonta a sessão de um desses filmes explícitos. “Senta no Meu…Que Eu entro na Tua” trazia dois episódios mais que inventivos. No primeiro, uma mulher alcança sua liberdade sexual plena quando começa a ouvir sua própria vagina falante. Fraga filma tudo isso com um naturalismo quase angelical. É como se ele nos absolvesse do pecado original. O segmento derradeiro é mais terreno: o executivo de um escritório que emula a Embrafilme (responsável por gerir a verba pública para o cinema brasileiro e que ignorava a “Boca do Lixo”), passa a sentir fortes dores de cabeça até que uma protuberância fálica na cabeça o obriga a reorganizar a geografia das suas relações sexuais.
Projetado em cópia recém restaurada pela Cinemateca Brasileira, uma coisa me intrigou durante a exibição de “Senta no Meu…Que eu Entro na Tua”: a reação da platéia presente à sessão. O público ria muito ou conversava alto durante cada cena de sexo. Não sei se por constrangimento ou autodefesa, quem sabe não estivesse preparado para um filme tão franco, no qual a sexualidade podia se expressar livremente.
De qualquer forma, tudo isso faz parte da minha vivência no Panorama, um festival jovem e para os jovens descobrirem o cinema e as coisas da vida.