O primeiro Panorama foi em março de 2002!

15/02/2025

No início dos anos 2000, o setor cultural recebia pouco dinheiro. Muito menos que nos dias de hoje, sem comparação. O cenário não era dos melhores.

Em particular, para o cinema, as salas de rua, em sua maioria em péssimas condições, estavam fechando. Surgiam os cinemas de Shopping, mas com um cardápio restrito em demasia. Alguns poucos blockbusters. Foram lançados apenas 23 longas brasileiros, em 2000. Muitos deles não foram exibidos em Salvador. Só para poder comparar, foram lançados cerca de 246 longas no circuito comercial nacional em 2023.

Nos anos 2000, os festivais de cinema minguavam. Aqui, na Bahia, tínhamos a saudosa e anárquica Jornada de Cinema liderada por Guido Araújo. A Jornada cumpria um papel importante, mas ainda faltavam muitos filmes em nossas telas.

Nessa época, eu escrevia sobre cinema. Tinha criado, em 1995, o tablóide Coisa de Cinema que circulava em quatro capitais. Eu também colaborava, rotineiramente, para outros jornais. Eu viajava e ia aos poucos festivais de cinema do Brasil e alguns no exterior. Nessas ocasiões, eu tinha contato com filmes brasileiros e estrangeiros que não chegariam nunca em Salvador.

 

 

Daí, nasceu o desejo de criar o Panorama Internacional Coisa de Cinema que teve sua primeira edição em março de 2002.

Eu pensei em um formato enxuto com 33 longas metragens. A sede principal foi a Sala Walter da Silveira, nos Barris. Uma sala de rua importante para toda a minha geração. Foi lá que eu vi os clássicos e me formei em cinema, pode-se dizer assim. A Walter Sibéria da Silveira, com um ar-condicionado incontrolável e que nos fazia sentir nos lugares mais gélidos do planeta, foi o coração do Panorama naquela primeira edição.

O festival aconteceu também na Sala de Arte do Baiano de Tênis (um pecado ter acabado) e a Sala de Arte do Cine XIV, que foi inaugurado justamente durante o primeiro Panorama. Três salas, trinta e três filmes, quatros pessoas inexperientes trabalhando arduamente e quase zero de recursos.

Sérgio Borges, diretor da Dimas à época, me deu um apoio generoso. Pagou o transporte das latas dos filmes. O Banco do Brasil deu R$ 5 mil. Ganhei, ainda, três passagens do Ministério da Cultura. A convite, estiveram no Panorama Beto Brant (O Invasor), Simone Spoladore (Lavoura Arcaica) e Malu Mader (Bellini e a Esfínge).

Um único crítico veio a Salvador para acompanhar o Panorama. Como eu não tinha recursos para pagar hotel, ele dormiu num colchão no chão da minha casa. Foi Kléber Mendonça Filho. Estávamos muito próximos naquela época e ele já tinha planos concretos para dominar o mundo.

Eu escutei durante muito tempo que o Panorama não daria certo. Aliás, detonar o vizinho é o esporte principal do soteropolitano. Seríamos campeões mundiais se existisse campeonato mundial nessa categoria.

Mas, o Panorama teve cerca de seis mil pessoas lotando as três salas por quase todos os dias. Gente sentada no chão. Audiência entusiasmada aplaudiu os filmes de Edgard Navarro, o homenageado do festival. Sérgio Machado, com Onde a Terra Acaba, também foi ovacionado. Platéia viu filmes diversos que não entrariam nunca na cidade. O circuito comercial era muito restrito, fechado mesmo. Vocês não imaginam, a maioria não tem idéia.

Hoje, posso dizer que o Panorama alterou a forma como vemos o cinema em Salvador e, talvez, em boa parte do país. Muitos festivais nasceram a partir dessa iniciativa. Muitos filmes passaram a ser exibidos por aqui e em outros lugares a partir do Panorama.

Fiquei exausto ao final do primeiro festival. Eu me recordo de dizer que não faria mais nenhum Panorama…..