O que eu lembro dos Panoramas de 2003 e 2004

15/02/2025

Curioso pensar que me recordo de cada detalhe do primeiro Panorama, em 2002. E que não me lembro de muitas coisas dos dois Panorama seguintes, em 2003 e 2004. Poucas lembranças, mas algumas delas muito preciosas.

Primeiro detalhe nada insignificante: ganhei um apoio de R$ 20 mil do Governo do Estado da Bahia, via DIMAS. Sérgio Borges, diretor da DIMAS, tinha um grande carinho por mim e pelo projeto. Após ter feito o primeiro Panorama com quase nada, quase totalmente na base do escambo e na amizade, aquela quantia me soou como um dinherão.

Mas, aí, eu exagerei: foram cerca de 80 longas, no segundo Panorama, entre curtas e longas. Um risco danado.

O segundo Panorama começou exatamente em 20 de março de 2003 dia em que os EUA começaram a invasão do Iraque que redundaria em mais de 500 mil mortes e em tantas outras sequelas que o Oriente Médio tem que lidar até hoje. Por aqui, três salas lotadas do Shopping Iguatemi para ver Carandiru, de Hector Babenco. Carandiru era um dos filmes mais aguardados do ano e, com ele, começávamos a segunda edição do Panorama.

O diretor argentino e naturalizado brasileiro estava presente junto com produtores e boa parte do elenco. Não consegui conversar muito com Babanco e fiquei frustrado com isso. Queria ter falado sobre Pixote, Lúcio Flávio, Ironweed, Meryl Streep, Jack Nicholson, Sônia Braga, William Hurt… e tantos outros filmes, atores e atrizes marcantes. Mas, Babenco não queria falar de outro filme. Apenas, Carandiru.

A recepção ao filme foi morna e Babenco ficou, nitidamente, magoado. Não se sentia valorizado. Deu as costas e foi embora.

Dias depois, teríamos o filme que arrebataria aquele Panorama: Amarelo Manga, de Cláudio Assis. O filme havia ganho o prêmio máximo no Festival de Rotterdam poucos meses antes e dava indícios que algo muito sério estava para começar a acontecer no cinema feito em Pernambuco. Amarelo Manga tinha uma sujeira e um cheiro de realidade que faltavam em Carandiru. Assis foi ovacionado numa sala lotada de Shopping. Uma certa incongruência tomava conta do Panorama, que já me parecia não combinar muito com Shoppings.

Cláudio esteve em Salvador. Conversou com o público e, livre, leve e solto como sempre, teve passagem marcante pela cidade.

Já em 2004, eu ainda repeti a dobradinha salas de Shopping e Sala Walter da Silveira. A abertura do Panorama aconteceu no Iguatemi com o filme O Outro Lado da Rua, de Marcos Berstein e com Raul Cortez, incrível ator que deu tantas expressões e personagens ao cinema brasileiro. Aliás, se tem algo que eu me lembro daquele Panorama foi das longas conversas que eu tive com Raul Cortez, já em idade avançada naquele momento. Falamos muito sobre o longa Lavoura Arcaica, de Luis Fernando Carvalho, mas também de Os Trombadinhas, de Anselmo Duarte, O Caso dos Irmãos Naves, de Luis Sérgio Person…. Raul Cortez morreria poucos anos depois. Fiquei com uma lembrança maravilhosa daquele encontro.

Foi o último ano que realizei o Panorama em salas de Shopping. Precisava mudar para o ano seguinte.