Panorama 2005: o ano da melancolia
09/03/2025
O Panorama costumava acontecer em março, mas, em 2005, eu não consegui nem dinheiro nem apoio para realizar naquele mês. Nada, nem míseros centavos. Joguei para agosto e consegui alguma coisa além do nada que já estava garantido. Passados os anos iniciais, a euforia do começo, eu já estava sem fôlego. A Sala Walter da Silveira continuava como sede do festival, mas já estava em franca decadência. Os projetores estavam sucateados e o som não era bom. Não havia perspectiva para melhorias para a Walter “Sibéria” da Silveira. Ali, os filmes se perdiam, o público não gostava com justiça das sessões que eram promovidas. Eu sentia falta de uma casa para realizar o festival.
Por outro lado, o projeto de reconstrução do Cine Glauber Rocha parecia impossível de acontecer. Já eram passados cinco anos desde que eu tinha dado início à idéia, mas nada de concreto acontecia.
Em 2005, ano da depressão, decidi que eu iria me despedir do Panorama e, também do projeto do Glauber. Chega!, disse eu.
Marília Hughes Guerreiro, em seu primeiro Panorama dela, me dava ânimo e me dizia que as coisas não terminariam ali. Eu, descrente, buscava um grande finale. Decidimos realizar uma sessão de cinema nas ruínas do Glauber Rocha.
Eu escolhi Betânia Bem de Perto, média de Julio Bressane e Eduardo Escorel, para exibir naquele cinema sem teto. Passei algum tempo negociando com Bressane, que não era lá gentil comigo, mas acabou cedendo. Escorel liberou de imediato.
Betânia Bem de Perto tinha a textura da melancolia que a gente procurava. Uma incompletude na despedida anunciada. Decidimos não ficar somente no passado e convidamos os curtas Vinil Verde, de Kleber Mendonça Filho, e Entre Paredes, de Eric Laurence. Dois filmes pernambucanos que tinham sido exibidos em Cannes e mostrava a força do cinema daquele estado.
A semana toda do Panorama foi chuvosa e, como eu disse, o Glauber estava sem teto. Tudo indicava que nosso plano melancólico seria abortado. Mas, o domingo amanheceu sem nuvens. Decidimos arriscar!
Fomos cedo para o Cine Glauber Rocha. Acelino Freitas, projecionista à moda antiga, sujeito que entende mais de projeção que qualquer um que já conheci, levou um projetor 35mm para o andar de cima do cinema. Ele montou uma telona na paredes envelhecidas, mas bem robustas. As paredes do Glauber guardavam riscos de desenhos de Mário Cravo e Carybé, pouco se salvava. Mas, estavam lá e era possível imaginarmos quantas histórias aconteceram naquela sala que chegou a abrigar milhares de sessões e memórias! Quantos casais começaram suas vidas ali, naquele cinema.
Na parte de baixo, colocamos troncos de madeira, resquícios do telhado, que se tornaram bancos improvisados. A noite chegou e nada de chuva. Céu estrelado e os espectadores começavam a chegar. Cerca de 150 pessoas presenciaram uma das mais lindas sessões de cinema que eu já montei.
Kleber Mendonça e Emilieu Lesclaux estavam com a gente. Eles, amantes das salas de cinema, estavam emocionados. Marília e eu, também. Aquela que era para ser o símbolo do fim de dois dos meus mais preciosos projetos, acabou por me dar alegria e ânimo gigantes. A luta iria continuar!
Obs: Marília e eu fizemos o curta sobre a história do Cine Guarani, que passou a se chamar Glauber Rocha em 1981. No final do curta, estão algumas imagens dessa linda sessão de cinema realizada em 2005.