“Paloma vive um percurso de auto-reconhecimento”, diz Marcelo Gomes

04/11/2022

Exibição ocorre na abertura do Panorama, dia 3, às 20h, no Cine Metha – Glauber Rocha, com acesso gratuito

Diretor de “Cinema, aspirinas e urubus”, “Joaquim” e “Estou me guardando para quando o carnaval chegar”, entre outras obras, o cineasta pernambucano Marcelo Gomes vem a Salvador para apresentar seu novo filme no XVIII Panorama Internacional Coisa de Cinema. Premiado nas categorias Melhor Filme e Melhor Atriz, “Paloma” traz a história de uma agricultora do sertão pernambucano em busca do sonho de casar na igreja.

A exibição ocorre na abertura do Panorama, dia 3, às 20 horas, no Cine Metha – Glauber Rocha, com acesso gratuito. Protagonista de “Paloma”, a atriz Kika Sena acompanhará Gomes no debate a ser realizado após a sessão. Autor do roteiro do longa-metragem, em parceria com Armando Praça e Gustavo Campos, o cineasta se inspirou numa notícia de jornal sobre uma transexual que decidiu casar de véu e grinalda, enfrentando a ira da pequena cidade de Saloá.

Na entrevista abaixo, Marcelo Gomes conta mais sobre a realização de “Paloma”, que estreia nos cinemas do país no dia 10 de novembro; destaca a importância de ter atrizes transexuais interpretando as personagens trans e revela um pouco dos próximos projetos.

1 – A ideia para o roteiro de “Paloma” surgiu de uma notícia de jornal. O que te chamou especial atenção nessa história? Quanto tempo levou desde a ideia de fazer o filme e sua realização?

Então, há mais de 10 anos, eu estava lá em Recife e eu li uma matéria de jornal sobre Paloma, uma mulher trans do agreste pernambucano que decidiu casar de vestido branco, véu e grinalda, e isso provocou a ira de todo uma pequena cidade que ela morava, Saloá. Eu me emocionei muito com essa história, eu acho que ela trazia tantas contradições inerentes à sociedade brasileira. Falava de amor e de ódio, de fé e preconceito, mas falava muito também de afeto, né? E falar de afeto num país que é recorde de casos de violência contra a população trans em todo mundo, era muito importante, era necessário falar disso. Por isso, veio a decisão de fazer esse filme. Isso é o que me chamou mais atenção, porque era uma só história que condensava tantas contradições, tantas reflexões, e foram mais de dez anos para conseguir desenvolver o roteiro, construir esse roteiro, um roteiro que o pilar é sempre o afeto.

2 – A representatividade é um tema cada vez mais debatido e você escolheu uma atriz transexual para fazer a protagonista também trans. Em sua avaliação, a presença de Kika Sena impacta a recepção do filme pelo público?

Olha, eu decidi que todas as personagens trans do filme deveriam ser interpretadas por atrizes trans. Primeiro que tem muito pouca oportunidade para atrizes trans representarem personagens trans dentro do cinema, da televisão. Segundo, que eu acho que essas atrizes trans, apesar de terem uma vida completamente diferente da vida da Paloma, elas podiam trazer uma certa memória afetiva para o filme. E além disso, eu acho que essas atrizes trans poderiam me ajudar em certos aspectos do roteiro, a partir das vivências que elas têm, e foi exatamente isso que aconteceu. Essas atrizes são maravilhosas, foi um elenco maravilhoso que entendeu o filme. Foi de uma dedicação profunda, deu o corpo e a alma a esse filme, né? O filme é delas. E a presença de Kika Sena tem esse impacto na recepção do filme, profundo. A Kika tem uma interpretação que tem uma certa ética poética política, né? E eu acho que é isso que impressiona todo mundo, né? Ela tem uma presença física e uma presença emocional em todas as cenas que impacta muitas pessoas. Eu fico muito feliz, é o primeiro filme da Kika, é o primeiro filme de muitas as atrizes que estão aí, eu fico muito feliz com isso.

3 – De que maneira “Paloma” dialoga com o restante da sua filmografia?

Eu gosto de filme sobre personagens, eu adoro escrever sobre personagens. E Paloma é mais um filme meu de personagens, é nesse aspecto que ela dialoga com outros meus filmes, mas eu acho que tem outros elementos que são muito importantes. Paloma é um filme romântico, com esse personagem num percurso de auto-reconhecimento, né? E nesse percurso, o que ela quer? Apesar das suas contradições, das suas fragilidades, ela quer ter uma vida melhor. Ela quer ir em busca da sua felicidade própria. E eu acho que todos os filmes, as minhas personagens elas estão nessa aventura de uma vida melhor, de uma busca da felicidade, nem que com isso elas tenham que sofrer. Elas são vítimas de violência, são vítimas de preconceito, mas elas tentam. Tentam uma vida melhor, um mundo melhor e eu acho que é o que a gente quer da vida, né? E sempre personagens que têm suas contradições, suas fragilidades, seus dramas internos, mas personagens muito humanos e que têm um extrema empatia, eu acho que isso é o comum a todos os meus filmes.

4- Com “Paloma” prestes a ir para as salas de cinema, você já está movimentando outros projetos? Se sim, o que pode adiantar sobre eles?

O que eu posso adiantar dos meus próximos projetos, eu tô na montagem do filme chamado “Relato de um certo Oriente”, inspirado no livro homônimo de Milton Hatoum, sobre a migração libanesa para a Amazônia. E também eu estou no início de um documentário sobre o neurocientista Sidarta Ribeiro, esses são os meus dois próximos projetos.